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Masculinidades cisgêneras estupradoras - "COIÓ"


Leia o texto completo "Masculinidades cisgêneras estupradoras", publicado na revista de divulgação do espetáculo "Coió", de Caio Ribeiro, Douglas Peron e Luiz Marchetti, vinculado ao Coletivo Spectrolab de Investigação em Artes Híbridas, patrocinado pelo Banco da Amazônia por incentivo do Governo Federal, com apoio da Assembleia Legislativa de Mato Grosso e do Teatro do Cerrado Zulmira Canavarros. O espetáculo representa cenas de vivências de violência doméstica presenciadas por dois filhos, por parte de seus pais contra suas mães.


"Existem masculinidades cisgêneras tóxicas, e existem masculinidades cisgêneras estupradoras – e não externalizar o estupro como principal traço da construção de gênero de determinado grupo de homens cisgêneros, seria embelezar o fenômeno como meramente tóxico, e não como violentamente materialista na estrutura colonial. Uma masculinidade cisgênera estupradora é o ápice da inversão da representação de desejo, e de público-privado. Não é uma masculinidade que meramente submete, meramente explora, meramente "violenta" sem adjetivação adequada. É uma violência implantada não por acaso por via do sexo no formato de uma performance sexual que consiste em invasão absolutamente não-empática da dor física, e, não meramente como não-consentimento, mas sim pela não autorização do direito de recusa à violação, que o excita. Grande parte certamente em função do modo pela qual construiu sua referência da estrangeira: esta "outra"; o que parece ser consenso entre estudiosas e estudiosos de gênero.

Melanie Klein diz de como nosso psiquismo tem o potencial de introjetar objetos investidos de ódio, e de construir imagos monstruosas desses objetos, destituindo-os de sua realidade, e, em caso de pessoas narradas como uma mesma espécie, certamente de sua humanidade. E as masculinidades cisgêneras estupradoras, certamente correspondem, portanto, em outra grande parte pela forma com que as mulheres – ou a feminilidade, seria mais adequado ainda –, como objetos investidos de ódio sádico excitante estão introjetadas nos homens: como estrangeira não partilha a linguagem, não partilha o rito, não partilha o falo ordinário que demanda prova de uso para validação da excitação como possibilidade de violência. A excitação pelo feminino se dá pelo profundo ódio sádico: aquele que fusiona seio mau e seio bom, o que frustra na existência da possibilidade de recusa, mas que gratifica na concretude de uma atuação violadora.

A violação sádica como gratificação e recusa do direito de recusa revela (1) que o homem cisgênero estuprador está violando no corpo da vítima a projeção da condição na qual a feminilidade está introjetada em si próprio; (2) a forma da performance de invasão é a própria materialidade desta construção de mundo interno, e de tudo aquilo que aquela construção poderia ser passível de execução; e (3) mais do que uma metáfora como "tóxica" na adjetivação de um fenômeno de construção de masculinidade, o estupro é o pilar de sustentação das estruturas de gênero, a ponto de precisar ser relevado sem piedade poética: os homens estupradores são os que regulam os horários em que as feminilidades podem ou não transitar, e com que risco. Pais e mães adestrarão suas filhas para que não cruzem com o homem estuprador, enquanto as nossas dinâmicas culturais no modo em que vem sendo reproduzidas em lógicas de manutenção, continua produzindo-os para atacá-las! Também resquícios de colonizações, e de violações passíveis de acometimento como tática de guerra, e de controle sobre corpos e quem tem investidos direitos contra eles."

Referência:
SILVA, Lucas Guerra da. Masculinidades cisgêneras estupradoras. In. RIBEIRO, Caio; PERON, Douglas; MARCHETTI, Luiz. COIÓ [livro de divulgação de espetáculo teatral]. Coletivo Spectrolab de Investigação em Artes Híbridas. Cuiabá, 2019. (p. 12).

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